domingo, 20 de setembro de 2015

Crioulos e pangarés

Oligarcas ruralistas que controlam as forças políticas porque possuem poder econômico não festejam o 20 de Setembro. Não como os peões. 

Celebram a própria fortuna semanas antes na maior feira do agronegócio da América Latina. Movem números entre os quais contam-se aqueles que madrugam na lida e que no tabuleiro social são a linha de frente. Enquanto quantidades de peões trabalham, a classe alta enriquece, aumenta a fartura e o povo, que é povo, aplaude alienado.

No dia em que se rememora a revolução de 1835, se reafirma a versão de heroísmo farrapo. O gaúcho que um dia foi às armas pelos estancieiros assumiu como sua, muito por falta de alternativa de revolucionar por si mesmo, a luta republicana dos patrões. Sua festa segue sendo no barro, na fumaça, no pelego. O peão continua no galpão e a costela saborosa é mais osso que carne que lhe sobra fantasiada de melhor corte. O melhor está na estância. Lá estão os que mandam, herdeiros dos caudilhos, senhores da terra-pampa.

“O sofisticado arcabouço ideológico através do qual, por cerca de um século, a oligarquia sulina expressara seu poder continuou intacto mesmo ao desaparecer a base econômica e política que o sustentava.” (DACANAL, 1985-2004, p. 68). 

Desaparecidas as bases agropastoris do Rio Grande do Sul anteriores à modernização, reinventou-se o pacto social de estratificação por meio da cultura popular. 

Estância e galpão então se fundem para que tudo continue separado.

Crioulos e pangarés.

“Bendito Deus! Pensei eu:
Ando como um esmoleiro,
E me nomeiam herdeiro
De guascas – que é quanto ganho
Quisera saber primeiro
Que fim levou meu rebanho.” (HERNÁNDEZ, Martín Fierro, Canto XVII, 815).  

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Tradutor e tradução: Eduardo Galeano

As coisas estão no mundo e precisam uma tradução.

Galeano era um tradutor. Porque escrevia. Escrevia sobre o que via e da maneira que via. Um escritor é aquele que traduz o mundo cru dos fatos para a versão da palavra e a deixa registrada para ser, por sua vez, traduzida por quem as lê. A palavra é versão e também novo fato.

Galeano era um bom tradutor. Pois, os bons são aqueles que com sua maneira de traduzir influenciam as traduções que virão.

Você, eu, qualquer um. Somos tradutores do mundo. E se um dia demos a mão a Galeano para que ele nos mostrasse este mundo por ele traduzido, sabemos o quanto suas palavras foram importantes.
O quanto elas nos inspiraram a traduzir a América, seu povo, seu cotidiano, seus sonhos, sua dor, sua paixão com nome celeste e apelido de gol.



Galeano repousa. Sua presença agora é fato que se cala. Mas, sua palavra é fato eloquente. Galeano está entre nós para ser traduzido, mais uma vez e para sempre. Em cada página ele nos estende a mão e convida. Pois, as coisas estão no mundo e precisam uma tradução. Uma boa tradução.





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imagem: El País

Felicidade tóxica