quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O filho da contradição

As denúncias envolvendo o senador eleito Flávio Bolsonaro atingem o presidente eleito no centro da sua reputação.

Imagem: History
A eleição de Jair Bolsonaro, pai de Flávio, deu-se por dirigir ao eleitor promessas que vão ao encontro de necessidades urgentes na área da segurança, da economia e o combate rigoroso à corrupção na política.

As reformas da previdência, o enxugamento da máquina pública, a reforma trabalhista, mudanças na educação e outras providências burocráticas inserem-se no conjunto dos planos das forças políticas que o presidente eleito representa.

Como ex-militar, Bolsonaro construiu uma imagem de austeridade, de transparência, de honestidade amparadas em virtudes de bravura e integridade. Como evangélico, o eleito apresenta-se como humilde servo da providência e anuncia-se como salvo da morte após o atentado de Juiz de Fora (MG) por milagre sugerindo ser o personagem histórico para o cumprimento de um destino manifesto da nação.

Ter um escândalo já com várias versões por suposta corrupção e desvio de dinheiro público envolvendo um integrante da família, eleito para o senado federal, vai testar a moral do futuro presidente e colocar sua figura de mito sob julgamento da opinião, em eventual avanço positivo do caso.

A contradição hoje tem o filho.
Poderá ter o pai.

A memória política brasileira pode buscar no fenômeno Jânio Quadros a ascensão e a derrocada de um político contraditório além do admissível para a prática política.

Figura popular e populista, Jânio foi eleito presidente do Brasil em 3 de outubro de 1960 prometendo reformas para a eficiência do Estado, recuperação da economia de Kubitschek, moralização da sociedade com resgate do conservadorismo e combate incessante à corrupção.

imagem: arquivo Estadão
Sua vassoura virou ícone da propaganda política e símbolo de um país que se idealizava higienizado.

Ao se aproximar do bloco socialista e progressista, Jânio descontentou as forças conservadoras civis e militares.

Entrou em contradição e colidiu, também consigo mesmo.

Jânio, que havia assumido a presidência em 31 de janeiro de 1961, renunciou em 25 de agosto do mesmo ano e em seu lugar assumiu João Goulart sob suspeitas e após um turbulento período que quase chegou à guerra civil a partir do Movimento pela Legalidade comandado por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul.

Era o início da crise que levaria à ditadura de 1964.

__________________________________________________

Saiba mais: 

Caso Coaf ofusca Flávio Bolsonaro no senado e fortalece Renan Calheiros 

Jânio Quadros 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

O 11 chileno

Setembro, 11 de setembro de 1973.


Cai o governo trabalhista de Salvador Allende, democraticamente eleito presidente do Chile três anos antes. O palácio de governo, La Moneda, é bombardeado. Allende morre. 

Para os registros oficiais, Allende coloca fim à própria vida frente ao cerco militar do qual o mandato não escaparia, nem a democracia.

A crise chilena teve como um dos elementos protagonistas uma intensa greve de caminhoneiros que durou 26 dias e quebrou a economia do país. Os protestos criaram a oportunidade para o golpe que aumentaria o controle político norte-americano no sul do continente na época da guerra-fria.

Visitar a história é prudente para não antecipar juízos distantes de fatos e intenções.

O Brasil atravessa uma crise crescente devido à paralisação nacional dos caminhoneiros. 
__________________________________________________


imagem: Le Monde Diplomatique

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Tragédia e farsa

Em 14 de maio de 1948 era fundado o Estado de Israel por resolução da ONU.

Judeus em Haifa, 1945 - Zoltan Kluger
Ao ocupar a região e instituir progressivamente sua soberania, o povo sionista iniciou o processo de restauração da identidade histórico-teológica que remonta às origens da civilização ocidental e seu percurso de maturação cultural que envolve processos multifacetados onde as crises e as guerras são partes constituintes.

Hoje, ao declarar aberta a embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, Trump e Netanyahu evocaram exatamente as razões históricas e teológicas que sustentariam a parceria política de ligações genéticas entre USA e Israel.


As manifestações das autoridades norte-americana e israelense, contudo, recortam a história em narrativas próprias dos vencedores.

O lado dos vencidos contesta: sua experiência histórica é incompatível com a celebração. Protestando, até agora 54 palestinos foram mortos pelas forças de segurança de Israel. Para os árabes hoje é o dia do desastre, lembrado em meio à complexidade geopolítica regional e a pluralidade interna antagônica e mesmo extremista. 

As contradições expostas desde a partilha da Palestina há 70 anos são ainda mais remotas. Elas transcendem os Estados modernos, quando ainda hoje se tenta negociar a soberania tanto de Israel quanto da Palestina, o que coloca em questão territórios como Gaza, Cisjordânia e em especial a parte leste de Jerusalém, e vão à antiguidade envolvendo ocupações e conflitos que formam as raízes tanto do sionismo quanto do antissionismo. 

Pensar a paz na região parece ser defrontar um dilema: fazer concessões bilaterais que afrouxam os nacionalismos e permitem o convívio ou resistir a elas em nome da soberania até que seja reconhecida e respeitada definitivamente por uma das partes.

As negociações de paz até agora avançaram e retrocederam sem sucesso.  

A paz, quando imposta pela supremacia, é tragédia e farsa. 


sábado, 12 de maio de 2018

Assassinos da História

Os crimes de Estado são essencialmente contraditórios: é o Estado quem delimita a legalidade por meio do direito e ele próprio viola deliberadamente este limite.

Sendo o Estado a instância máxima e soberana de uma sociedade constituída, uma vez que ele seja o agente do crime, recorrer ao próprio Estado fica comprometido.

Não se pode buscar legitimidade na ilegitimidade, justiça na injustiça, direito no não-direito.

Um Estado criminoso esvazia-se da função e niiliza qualquer pretensão de justiça.

Dawn Rothe, especialista no tema, descreve o crime de Estado como

"Qualquer ação que viole o direito internacional público, e/ou uma lei doméstica do próprio Estado quando tais ações são praticadas por atores individuais agindo em favor ou em nome do Estado, mesmo quando tais atos sejam motivados pelos seus interesses pessoais econômicos, políticos e ideológicos." 

Dos crimes de Estado, os mais graves e que historicamente provocam não somente os maiores traumas como também expõem a repetitiva prática de abuso do poder da violência, prerrogativa exclusiva dos Estados modernos, mas limitada ao direito positivo, estão o genocídio e as violações aos direitos humanos.

Ao analisar os crimes de Estado, o professor José Carlos Moreira da Silva Filho afirma que

"É o Estado que tem se revelado o principal autor dos crimes contra a humanidade. E isto traz um agravante, pois é justamente o Estado quem deveria proteger os seus cidadãos da violação dos seus direitos fundamentais."

À sociedade ferida pelos abusos despóticos do Estado confere-se o direito de conhecer os atos criminosos praticados por seus governos e por meio de instrumentos institucionais, como a justiça de transição, buscar a reparação, bem como exigir que tais ações não se repitam salvaguardando princípios universais em favor do direito humano.

"Justiça de transição é um termo de origem recente, mas que pretende indicar aspectos que passaram a ser cruciais a partir das grandes guerras mundiais deflagradas no Século XX: o direito à verdade e à memória, a reparação, a justiça e o fortalecimento das instituições democráticas. O foco preferencial da justiça de transição recai sobre sociedades políticas que emergiram de um regime de força para um regime democrático, mas também pode ser claramente identificado dentro dos próprios regimes democráticos, sempre que ocorrerem violações de direitos humanos pelo Estado." Ibidem. 

A sociedade brasileira, na sua diversidade, compõe-se de indivíduos e grupos frequentemente violados pelo Estado.

Agora ela toma conhecimento de que o Ernesto Geisel, quando presidente (1974 - 1979) no regime da ditadura iniciada em 1964, ordenou as mortes sumárias e fora do rito judicial de presos políticos considerados subversivos, muitos enquadrados como terroristas com base na Lei de Segurança Nacional. A confirmação coloca no nome do general entre os assassinos políticos da História.


O documento divulgado pelo Departamento de Estado do Estados Unidos é recebido com ressentimentos profundos devido às cicatrizes recentes da ditadura e, provavelmente, pela crise democrática que o Brasil atravessa e a reivindicação, por parte da população, de uma intervenção militar golpista contra o Estado Democrático de Direito, desconsiderando as experiências históricas negativas, a abusividade absoluta do ato e a arbitrariedade dos regimes de exceção.

"Ao serviço do Estado estão aparelhos repressivos fortemente treinados e armados, como as polícias e as forças militares. Na estruturação destes aparelhos se apresenta uma organização burocrática com várias e complexas ramificações, um conjunto ideológico que justifica as suas ações, um forte sentimento corporativo e uma racionalidade instrumental que perpassa todas as suas instâncias. Nenhuma quadrilha ou bando de criminosos de um país consegue igualar tal poderio" Ibidem

Há justificativa para um Estado tornar-se criminoso?
Que esperanças de reparação as vítimas da ditadura Geisel podem ter se confirmadas as arbitrariedades do executivo?

Existirá justiça já que há entendimento de que os crimes de Estado contra a humanidade não prescrevem?


terça-feira, 3 de abril de 2018

O impasse do século

Se Lula concorrer e vencer a eleição presidencial, vai ser um ato de insubordinação e potencialmente revolucionário.

O ex-presidente é um condenado pela justiça brasileira. 
Significa que ele está em conflito com a lei vigente cujo anteparo máximo é a Constituição Federal. 

Caso Lula concorra e vença o pleito, será o povo manifestando-se contra a lei. 

O povo brasileiro estará desafiando pela participação política o Estado de Direito constituído a partir da própria soberania popular representada nas instituições da república. O fará por considerar o sistema inteiro comprometido e incapaz de julgar, agindo injustamente ao punir um e não todos os supostamente envolvidos na deterioração moral e jurídica do Estado.  

Partindo da perspectiva das intenções dos insurretos, haverá uma revolução de massa, ou revolução em sentido estrito, quando eles pretendem subverter fundamentalmente as esferas política, social e econômica: neste caso há uma grande participação popular, a duração da luta é prolongada e a incidência da violência interna torna-se sumamente elevada. Noberto Bobbio 

A partir da eleição de Lula, com os fundamentos legais do Estado abalados, o uso da força seria inevitável: primeiro como reação para restituição da ordem legal desestabilizada; segundo, para rompê-la definitivamente e depois instituir a nova ordem que transfere o poder delegado pela vontade popular ao representante eleito. 

Uma guerra civil entra em curso pelo controle do Estado.

Implica manter a atual Constituição ou elaborar outra refundando o pacto civil nacional. 

O STF julga (atualizado: já julgado e preso) se Lula será preso e iniciará a cumprir os 12 anos e 1 mês em regime fechado de pena confirmados em segunda instância, pois, segundo a Constituição, em seu artigo 5, ninguém será condenado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória ou seja, a prisão deve ocorrer somente após esgotados todos os recursos. A exceção está prevista no Código Penal, artigo 312, que para a prisão preventiva deve haver justificativas referentes à ameaça à ordem pública, à econômica, à investigação e a aplicação da lei penal. 

A liberdade é prerrogativa subjetiva irredutível e a inocência a presunção até indubitavelmente provado o contrário. Mantida a elegibilidade de Lula durante a tramitação da ação, ele pode ser vitorioso nas urnas caso confirme a candidatura.  

Se o Estado e a lei emanam do povo e esse mesmo povo decide livremente subvertê-los, é um ato soberano e legítimo? 

Quem reconhece essa legitimidade? 

É possível o reconhecimento sem o enfrentamento armado?  

Uma candidatura como a de Lula é igualmente legítima? 

Ela teria energia política para suportar uma campanha eleitoral nas circunstâncias atuais? 

Que forças ela representa hoje?  

A nação está diante do impasse do século.

Ele pode transformar radicalmente a realidade do país ao se ultrapassar os limites constitucionais, configurando golpe. 

As instituições se manifestam.

Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?
@Gen_VillasBoas, cmdte do Exército Brasileiro, via Twitter em 03 de abril de 2018.

__________________________________________________


*BOBBIO. Dicionário de política. Brasília: UNB, 1998. 

Imagem: blog Luta Democrática

quarta-feira, 21 de março de 2018

Se somente a repressão funcionasse

Escutemos o passado.

Há um grito por liberdade que reverbera por todos os espaços sociais oprimidos do Brasil.

Situemos um ponto: 13 de maio de 1888.

Cais do Valongo, RJ - Debret
Neste dia o Brasil considerava ilegal a propriedade sobre outro ser humano. Consideremos aqui o negro escravizado além do Atlântico, feito cativo num complexo mercado que envolvia conterrâneos do continente africano e europeus economicamente interessados na escravidão.

A abolição da escravidão no Brasil, tardia e pouco planejada, a não ser para favorecer a elite rural com mão de obra barata, resultou de mudanças nas relações comerciais brasileiras com a Inglaterra e ainda outros mercados necessitados de consumo e, portanto, de homens assalariados.

Contudo, tornar livres os cativos não significou inclui-los na economicamente sociedade, nem resultou em esforços do estado em benefício desta população. Suas carências sociais como saúde, saneamento urbano, moradia, escolarização, transporte, lazer e tudo o que depende da renda não foi conquistado, nem supridos em serviços públicos.

No dia 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea, o Estado deixou de reconhecer o direito de propriedade de uma pessoa sobre outra. Contudo, isso não significou que todas as relações de trabalho nas sociedades regidas pelo capital passariam a ser guiadas por regras de compra e venda da força de trabalho mediante assalariamento, com remuneração suficiente para a manutenção do trabalhador e de sua família. Leonardo Sakamoto, Cientista Político, USP. 

A marginalização constituiu o berçário de problemas incomensuráveis para o Brasil de hoje.

Exército nas ruas do RJ
O descontrole do estado sobre a violência urbana no Rio de Janeiro, mesmo com a intervenção militar, sugere uma interpretação mais adiante do uso das forças armadas na repressão ao crime.

O crime organizado é negócio.

O mercado de drogas, de produtos do roubo e do furto, sejam eles quais forem, o comércio de serviços e de artigos clandestinos e tudo o que gera lucro à margem da legalidade produz riqueza e compete com a formalidade. Dispensa a burocracia e exerce o direito pela força, uma vez que não dispõe de instituições.

O crime organizado gera renda ao ocupar quem não tem condições ou interesse ou não pretende pertencer à sociedade institucionalizada ou ainda respeitá-la, pois o crime infiltra-se em todas as instâncias.

Reprimir, apenas, o crime organizado não significa eliminar suas raízes.

Mais do que estrangular o fluxo de mercadorias e capital sufocando o negócio, seria preciso tornar o crime organizado uma atividade sem atratividade ou razão de ser por falta de contingente humano.

Aquela demanda necessária desde as origens da pobreza no Brasil: levar o estado e as oportunidades de prosperidade à universalidade da nação. O crime não pode ser alternativa para gerar renda, nem deve haver sensação de impunidade para seus participantes em qualquer posição que se encontrem.

Os governos querem realmente acabar com o crime organizado ou apenas mantê-lo sob controle?

Sem o crime organizado, qual a alternativa de trabalho que a sociedade oferece para quem enriquece ou sustenta-se com ele?

A pobreza e o crime seriam formas mais sofisticadas de escravidão?

Quem ocupa altas posições sociais e pertence às organizações criminosas possui maior grau de responsabilidade pela situação da qual se aproveita?

__________________________________________________

Exército começa a sair da "favela teste" Vila Kennedy após um mês de intervenção e poucos resultados

Por que a Lei Áurea não representou a abolição definitiva?

imagens: Mauro PImentel AFP
Repórter Brasil

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

São os bons que vencem?

A polissemia do termo democracia assim como a redução, quando não a adulteração, no significado do que seja direita e esquerda, mais a manipulação ideológica na difusão da opinião ajudam a gerar a dissensão.

História que descreve fatos pode pecar pela neutralidade.
História que interpreta fatos pode errar por parcialidade.
Não há fuga.
Os fatos humanos são todos intencionais e a linguagem é esforço para esclarecer seus sentidos.
A necessidade de explicar o que é o bem ou o mal é porque eles jamais são absolutos.
Um texto como o do O Globo é a versão histórica dos fatos narrada pelos vencedores.

Sempre são os bons que vencem?

_____________________________________________

A imagem foi extraída do twitter do professor Leandro Karnal.

@Leandro__Karnal 6h6 hours
Ler manchetes históricas é um grande exercício sobre as mudanças de valores no tempo. Aqui capa do Globo, 1 de abril de 1964, um dia após o começo do movimento civil-militar de 1964.

Felicidade tóxica