domingo, 25 de setembro de 2022

A infelicidade dos felizes

A felicidade é uma meta ideal de cada ser humano. 

Ideal porque ela existe mais como conceito e, portanto, na abstração, do que na prática. A felicidade é o que se quer, se procura, se trabalha por ela insistentemente mas, ao fim, cada pessoa conhece mais a alegria do que propriamente a felicidade. 

Buscar a felicidade impondo-se a tarefa de conquistá-la já não seria perdê-la? 

Desejar é sofrer, ensina o budismo, e o desejo de ser feliz já é o sofrimento de não ser. 

"É mais fácil alcançá-la quando se deixa de exigi-la", diz André Comte-Sponville e nisso vai um tanto da indiferença necessária a quem cultiva a paz da alma resultante da economia de vãos esforços. 

Por que há aqui uma pergunta: o que se exige quando se quer a felicidade? 

Talvez, nem se saiba muito bem sem um rigoroso exame, o que impõe a cada um refletir exaustivamente antes de sair a procurar o que faz feliz. 

É possível encontrar o que se procura sem conhecer?

O estoicismo de Sêneca e seu ideal de tranquilidade espiritual lembra exatamente isso, que "todos aspiramos à felicidade, mas, quanto a conhecer seus caminhos, tateamos como na treva" e errando o percurso, dela mais se afasta quem a procura. 

Logo, antes de sair por aí atrás da felicidade, seria preciso um tempo razoável de reflexão filosófica porque a felicidade, se é consequência da conduta, ela é efeito e não causa daquilo que se faz ao longo da vida. É porque vivo uma vida agradável que sou feliz e não o contrário. 

Haveria, então, alguma fórmula da felicidade?

Parece que não mais do que a fórmula da longevidade: você pode cuidar de si, mas, de fato, ninguém sabe quando ou do que vai morrer e todo ideal de vida longa é esperança e não certeza. Voltamos ao clássico carpe diem.  

Sem querer cultivar pessimismos e tirar de ninguém o prazer de se alegrar e se considerar feliz, o que se pretende aqui é demonstrar brevemente que o ideal de felicidade como resposta condicionada a qualquer desagrado desnaturaliza a tristeza e a dor e acaba assim impondo o fardo pesado de culpas pessoais por não conseguir ser alegre o tempo interior, como canta Wander Wildner. 

A revolta contra a felicidade total, do psicólogo David Salinas, o levou a escrever A Ditadura da Felicidade em reação à patrulha contemporânea contra a infelicidade que não deixa de ser uma estratégia do mercado para manter a força produtiva e consumidora em alta. 

"Se você se sente mal, parece que você fracassou como indivíduo", diz Salinas. 

É claro que a vida não é nada disso, mas, a insistência para que seja produz pressão, desconforto e agrava a infelicidade dos que se acreditam felizes.


Leia mais em: O que é a ditadura da felicidade e como podemos escapar dela


Imagem: Holos

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