sexta-feira, 25 de maio de 2018

O 11 chileno

Setembro, 11 de setembro de 1973.


Cai o governo trabalhista de Salvador Allende, democraticamente eleito presidente do Chile três anos antes. O palácio de governo, La Moneda, é bombardeado. Allende morre. 

Para os registros oficiais, Allende coloca fim à própria vida frente ao cerco militar do qual o mandato não escaparia, nem a democracia.

A crise chilena teve como um dos elementos protagonistas uma intensa greve de caminhoneiros que durou 26 dias e quebrou a economia do país. Os protestos criaram a oportunidade para o golpe que aumentaria o controle político norte-americano no sul do continente na época da guerra-fria.

Visitar a história é prudente para não antecipar juízos distantes de fatos e intenções.

O Brasil atravessa uma crise crescente devido à paralisação nacional dos caminhoneiros. 
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imagem: Le Monde Diplomatique

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Tragédia e farsa

Em 14 de maio de 1948 era fundado o Estado de Israel por resolução da ONU.

Judeus em Haifa, 1945 - Zoltan Kluger
Ao ocupar a região e instituir progressivamente sua soberania, o povo sionista iniciou o processo de restauração da identidade histórico-teológica que remonta às origens da civilização ocidental e seu percurso de maturação cultural que envolve processos multifacetados onde as crises e as guerras são partes constituintes.

Hoje, ao declarar aberta a embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, Trump e Netanyahu evocaram exatamente as razões históricas e teológicas que sustentariam a parceria política de ligações genéticas entre USA e Israel.


As manifestações das autoridades norte-americana e israelense, contudo, recortam a história em narrativas próprias dos vencedores.

O lado dos vencidos contesta: sua experiência histórica é incompatível com a celebração. Protestando, até agora 54 palestinos foram mortos pelas forças de segurança de Israel. Para os árabes hoje é o dia do desastre, lembrado em meio à complexidade geopolítica regional e a pluralidade interna antagônica e mesmo extremista. 

As contradições expostas desde a partilha da Palestina há 70 anos são ainda mais remotas. Elas transcendem os Estados modernos, quando ainda hoje se tenta negociar a soberania tanto de Israel quanto da Palestina, o que coloca em questão territórios como Gaza, Cisjordânia e em especial a parte leste de Jerusalém, e vão à antiguidade envolvendo ocupações e conflitos que formam as raízes tanto do sionismo quanto do antissionismo. 

Pensar a paz na região parece ser defrontar um dilema: fazer concessões bilaterais que afrouxam os nacionalismos e permitem o convívio ou resistir a elas em nome da soberania até que seja reconhecida e respeitada definitivamente por uma das partes.

As negociações de paz até agora avançaram e retrocederam sem sucesso.  

A paz, quando imposta pela supremacia, é tragédia e farsa. 


sábado, 12 de maio de 2018

Assassinos da História

Os crimes de Estado são essencialmente contraditórios: é o Estado quem delimita a legalidade por meio do direito e ele próprio viola deliberadamente este limite.

Sendo o Estado a instância máxima e soberana de uma sociedade constituída, uma vez que ele seja o agente do crime, recorrer ao próprio Estado fica comprometido.

Não se pode buscar legitimidade na ilegitimidade, justiça na injustiça, direito no não-direito.

Um Estado criminoso esvazia-se da função e niiliza qualquer pretensão de justiça.

Dawn Rothe, especialista no tema, descreve o crime de Estado como

"Qualquer ação que viole o direito internacional público, e/ou uma lei doméstica do próprio Estado quando tais ações são praticadas por atores individuais agindo em favor ou em nome do Estado, mesmo quando tais atos sejam motivados pelos seus interesses pessoais econômicos, políticos e ideológicos." 

Dos crimes de Estado, os mais graves e que historicamente provocam não somente os maiores traumas como também expõem a repetitiva prática de abuso do poder da violência, prerrogativa exclusiva dos Estados modernos, mas limitada ao direito positivo, estão o genocídio e as violações aos direitos humanos.

Ao analisar os crimes de Estado, o professor José Carlos Moreira da Silva Filho afirma que

"É o Estado que tem se revelado o principal autor dos crimes contra a humanidade. E isto traz um agravante, pois é justamente o Estado quem deveria proteger os seus cidadãos da violação dos seus direitos fundamentais."

À sociedade ferida pelos abusos despóticos do Estado confere-se o direito de conhecer os atos criminosos praticados por seus governos e por meio de instrumentos institucionais, como a justiça de transição, buscar a reparação, bem como exigir que tais ações não se repitam salvaguardando princípios universais em favor do direito humano.

"Justiça de transição é um termo de origem recente, mas que pretende indicar aspectos que passaram a ser cruciais a partir das grandes guerras mundiais deflagradas no Século XX: o direito à verdade e à memória, a reparação, a justiça e o fortalecimento das instituições democráticas. O foco preferencial da justiça de transição recai sobre sociedades políticas que emergiram de um regime de força para um regime democrático, mas também pode ser claramente identificado dentro dos próprios regimes democráticos, sempre que ocorrerem violações de direitos humanos pelo Estado." Ibidem. 

A sociedade brasileira, na sua diversidade, compõe-se de indivíduos e grupos frequentemente violados pelo Estado.

Agora ela toma conhecimento de que o Ernesto Geisel, quando presidente (1974 - 1979) no regime da ditadura iniciada em 1964, ordenou as mortes sumárias e fora do rito judicial de presos políticos considerados subversivos, muitos enquadrados como terroristas com base na Lei de Segurança Nacional. A confirmação coloca no nome do general entre os assassinos políticos da História.


O documento divulgado pelo Departamento de Estado do Estados Unidos é recebido com ressentimentos profundos devido às cicatrizes recentes da ditadura e, provavelmente, pela crise democrática que o Brasil atravessa e a reivindicação, por parte da população, de uma intervenção militar golpista contra o Estado Democrático de Direito, desconsiderando as experiências históricas negativas, a abusividade absoluta do ato e a arbitrariedade dos regimes de exceção.

"Ao serviço do Estado estão aparelhos repressivos fortemente treinados e armados, como as polícias e as forças militares. Na estruturação destes aparelhos se apresenta uma organização burocrática com várias e complexas ramificações, um conjunto ideológico que justifica as suas ações, um forte sentimento corporativo e uma racionalidade instrumental que perpassa todas as suas instâncias. Nenhuma quadrilha ou bando de criminosos de um país consegue igualar tal poderio" Ibidem

Há justificativa para um Estado tornar-se criminoso?
Que esperanças de reparação as vítimas da ditadura Geisel podem ter se confirmadas as arbitrariedades do executivo?

Existirá justiça já que há entendimento de que os crimes de Estado contra a humanidade não prescrevem?


Felicidade tóxica