sábado, 2 de maio de 2020

Querem que eu comece?

Bastou um soco.

E alguns outros mais.

Ao reagir fisicamente a um grupo de fascistas que hostilizavam enfermeiros que faziam uma manifestação pacífica em Brasília (DF) no 1º de Maio, Sabrina Nery descarregou sentimentos de uma nação cansada de injustiças.

O gesto paradoxal de agir violentamente contra a violência é resultado de uma interlocução que abandou as palavras há muito tempo. Elas viraram um tipo de formalidade da linguagem, pois o conteúdo foi desprezado. A violência vai se tornando o bruto argumento de uma discussão feroz porque é radical.

Antes do soco, a pedrada

A reação de Sabrina faz lembrar um episódio.


Era dezembro de 1746, Gênova se encontrava ocupada pelos austríacos que, assim como os franceses, haviam invadido a Itália. Naquele dia 5, um canhão inimigo havia atolado e o comandante militar ordenou que a população ajudasse a empurrar a arma.

Não deu certo.

No meio da multidão, o menino Giovanni Battista Perasso, o Balilla, de apenas 11 anos, sentiu o sangue ferver.

O orgulho ferido e a ordem ultrajante bastaram para Balilla atirar uma pedra contra um dos soldados e gritar "Querem que eu comece?!", em genovês,
"Che l ´ inse?!"

A partir daí foram cinco dias de combates entre a população e o exército austríaco até a fuga do invasor.

Balilla se transformou em um tipo e herói das massas e sua figura é lembrada até no hino italiano:

I bimbi d´Italia
Si chiaman Balilla

As crianças da Itália
Se chamam Balilla

A história real de Perasso é controversa.
Resta o feito e o mito, a simbologia de liberdade que ele evoca.

Uma pedrada mudou a história.

Um soco para a história?

É cedo para dizer se a atitude espontânea de Sabrina Nery é potencialmente um acontecimento histórico.

Hoje é notícia pela dimensão do seu significado e isso é um indicativo de inequívoca importância.


Os socos da ciclista são nesse momento um símbolo de coragem latente de milhares de brasileiros fermentada pelo esgotamento sentido por essa parte da nação que absorve paciente a grotesca intimidação fascista que tomou espaço no país.

Os acontecimentos recentes levam os analistas a preverem um aumento de tensão entre o grupo extremista de direita pró-bolsonaro e os demais que hoje se encontram juntos na oposição democrata. Basta ver a aproximação de adversários políticos que agora pregam unidade contra o autoritarismo crescente.

Sabrina Nery pode ser um catalisador de ânimos.

Porque a pandemia vai arrefecer.

As ruas vão voltar a ser tomadas por quem hoje está isolado.

Os ressentimentos acumulados e reprimidos misturados à dor inconsolável pelas mortes de Covid-19 tratadas com a sádica indiferença do "e daí?" vão estar cara a cara com a minoria fanática e antidemocrática que hoje se sente empoderada.

Quando isso acontecer, quem dirá o
"querem que eu comece"?

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Leia mais sobre o tema em:

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imagens: Pintrest e Fórum



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