domingo, 30 de junho de 2019

O pai da delação

O uso de violência física ou psicológica para obter informação em investigação criminal caracteriza tortura.

É o que diz a lei 9455/97.

A partir das denúncias de abusos da Operação Lava-Jato, suspeita-se que o depoimento de Léo Pinheiro teria sido obtido por meio de prática ilegal e direcionado com o objetivo de consolidar as acusações contra o ex-presidente Lula, preso desde 7 de abril de 2018, condenado em duas instâncias.

A delação como instrumento jurídico é instituída pelo pacote anticorrupção sancionado pela então presidente Dilma Rousseff em 2013, o que permitiu o profundamento da Lava-Jato.

Na história do Brasil, um episódio decisivo envolvendo delação, conspiração e um projeto de independência para o país é aquele que envolve Joaquim Silvério dos Reis.

Reis protagoniza a entrega dos Inconfidentes que leva Tiradentes à forca.

Joaquim Silvério dos Reis Leiria Grutes nasceu em Monte Real, região de Leiria, em Portugal, em 1756. Já no Brasil, Joaquim alcançou o posto de coronel de Cavalaria em Borda do Campo, em Minas Gerais. Além de militar, ele era também empresário da mineração.

Na época cabia à Intendência de Minas Gerais gerir os negócios da coroa na região mineradora e devido aos desvios de ouro o governo português exigia que a quinta parte do extraído das jazidas fosse entregue à Lisboa. Nas casas de fundição o metal era marcado. Mesmo assim o ouro continuava sendo desviado e como ação repressora, Portugal exigia que a quantidade fosse paga anualmente com uma tonelada e meia de ouro. Se a quantia tributada não fosse alcançada pelos mineradores, a população completaria o restante. A medida era chamada derrama e continuava sendo cobrada mesmo com a queda na exploração das minas.

A austeridade fiscal portuguesa, a pequena inversão de recursos no desenvolvimento da colônia, a restrição ao livre-pensamento e à livre-iniciativa que inibia o crescimento da burguesia local levaram à organização do movimento independentista da Inconfidência ou Conjuração Mineira.

O movimento conspirava para declarar revolta contra Portugal e tornar a colônia uma nação livre e republicana. Porém, em 11 de abril 1789, Joaquim Silvério dos Reis escreveu uma carta ao governador da capitania de Minas Gerias, o Visconde de Barbacena, contando sobre a revolta.

De início, Silvério via no movimento uma chance de livrar-se das dívidas rompendo com Portugal. No entanto, percebeu depois maior vantagem pessoal se entregasse os conspiradores.

Portugal agiu de modo implacável prendendo os conspiradores e sufocando a Conjuração. A derrama foi suspensa.

Joaquim teve as dívidas perdoadas, entre outros privilégios. Retornou a Portugal para evitar hostilidades e voltou ao Brasil em 1808, ano em que a família real mudou-se para América. Encaminhou-se para o Maranhão onde morreu em 12 de fevereiro de 1819. 

O caso transformou Silvério dos Reis no arquétipo nacional do traidor.
Joaquim Silvério dos Reis, pela venda de informação, tornou-se o pai da delação no Brasil.

A partir da acusação de Silvério, verdadeiras ou não as informações, foram constituídos processos e  condenações.

Ao ser preso e intimidado e acusar Lula em delação premiada pelo triplex do Guarujá, Léo Pinheiro foi condenado à metade da pena prevista.


Delações sempre ocorreram.

O problema não estaria em transformar a delação e sua lógica comercial em um instrumento de provas do processo penal?
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Leia:

Lava-Jato só aceitou delação da OAS quando Léo Pinheiro incriminou Lula

 Lava-Jato desconfiava de Léo Pinheiro até versão do triplex do Guarujá

Delação premiada: mercadoria do Estado pós-democrático

imagem: DM, Veja

sábado, 29 de junho de 2019

Na cadeia das razões, uma se coloca acima de todas

"A ciência do direito tem a ver com normas, portanto, com um dever-ser, e não com um ser. Se o direito por reconduzido a factos psíquicos ou sociológicos, as categorias do ser e do dever-ser, separadas por um abismo intransponível, misturam-se entre si." (ZIPPELIUS, 2012, p. 44)

Ao comentar a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, Reinhold Zippelius delimita o exercício do direito sob princípios neokantianos e aponta o dever-ser como parâmetro da ação jurídica e estabelece a norma como limite.

Na cadeia das razões, uma se coloca acima de todas como a razão máxima na execução da justiça: o dever.

Seria o dever, no âmbito do Estado Democrático de Direito, agir em conformidade com a Constituição Federal?

Toda e qualquer ação jurídica, uma vez que tenha por objetivo aplicar o direito como meio de fazer justiça, tem como dever ser fiel à lei. Motivos pessoais ou sociais não devem influenciar na ação sob pena e contaminação do processo e da decisão que necessitam ser guiados por aquilo que eles devem ser: um retrato fiel da lei.

O caso de vazamentos de informações envolvendo a operação Lava-Jato e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, aponta para uma contaminação do processo e da sentença por não respeitar o distanciamento necessário do juiz na instrução do processo, nem a imparcialidade no julgamento.

O suposto uso deliberado nas instituições, incluindo a midiática para a manipulação da investigação e da opinião pública mostram transgressão legal e ética.

Pode um juiz ser motivado a exercer seu ofício por pragmatismo ou seja, justificar os métodos pelo resultado? Esse resultado se legitima apenas por ser de interesse público? É de interesse público que a justiça seja isenta?

Combater a corrupção justifica cometer uma fraude processual e usar práticas antiéticas?

A justiça pode ser parcial?
Quando?

Moro interferiu no processo negligenciando o limite da lei (dever-ser) por reconhecer que o resultado atenderia ao interesse público e traria vantagens pessoais (factos psíquicos ou sociológicos)?

Ou é necessário atuar no restrito limite do dever para com a lei?

Em conteúdo publicado pelo The Intercept Brasil (#VazaJato) os próprios procuradores da Lava-Jato  questionam as ações de Moro quando juiz de primeira instância em Curitiba (PR), responsável pela investigação que desvendou um esquema milionário de corrupção envolvendo os setores público e privado e partidos políticos.


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Leia:

"Moro viola sempre o sistema acusatório" - The Intercept Brasil 

imagens: The Intercept Brasil

ZIPPELIUS, Reinhold. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2012. 

Fake news é mentira?