A democracia vence.
Capinando eu vou, cuidadoso. Com golpes cavo, arranco, separo. Vou limpando terreno, preparando plantios. Evito pedras, mas não rejeito a terra. Faço jornada na capina do texto semeando frases, germinando ideias, adubando fatos, colhendo provocações. Cultivando a breve flor do momento na longa lavoura do tempo. A linguagem é o mundo.
sábado, 5 de novembro de 2022
Sempre vencerá
sábado, 15 de outubro de 2022
Esquecido e inutilizado coração
Nas aulas de filosofia da arte, conheci Rousseau.
Eram tardes em uma sala da faculdade de arquitetura da federal do Rio Grande do Sul. Alunos da filosofia, mas não somente dela, aprendiam sobre estética e a relacionavam com o homem em sua integral existência: a ética, a política, a religião, a economia, o trabalho... o útil e o inútil, sendo este mais importante que aquele quando se reflete sobre o real sentido das coisas, segundo Heidegger.
Com Rousseau, aprendemos a ver mais de perto a alma humana ou aquilo que a ela equivalha. Reflexões tão úteis quanto inúteis se o objetivo é encontrar sentido naquilo que se ensina ou se aprende na educação dirigida ao mundo que valoriza o domínio, a força, a competição, conquista, a vitória, o mérito... o individualismo, o hedonismo como desfrute dos mais capazes.
Nesse dia do professor, uma página de Rousseau para pensar na seguinte questão:
o que se quer quando se educa alguém?
"Sempre verifiquei que os jovens corrompidos cedo, e entregues às mulheres e ao deboche, eram inumanos cruéis; a fuga do temperamento tornava-os impacientes, vindicativos, furiosos; sua imaginação, tomada por um só objeto, recusava-se ao resto; não conheciam nem piedade nem misericórdia; teriam sacrificado pai, mãe e o universo inteiro ao menor de seus prazeres.
Ao contrário, um jovem educado dentro de uma simplicidade feliz é levado pelos primeiros movimentos da natureza às paixões ternas e afetuosas. Seu coração compadecente comove-se com as atribulações de seus semelhantes; ele freme de alegria quando revê seu camarada, seus braços sabem encontrar amplexos carinhosos, seus olhos sabem verter lágrimas de ternura; ele é sensível à vergonha de desagradar, ao remorso de ter ofendido. Se o ardor de sangue que o inflama o torna vivo, exaltado, colérico, vê-se no momento seguinte toda a bondade de seu coração na efusão de seu arrependimento; ele chora, geme por causa do ferimento feito; quisera à custa de seu sangue resgatar resgatar o que verteu; toda a sua exaltação se extingue, todo o seu orgulho se humilha diante do sentimento de sua falta.
Foi ele próprio ofendido?
No ápice de seu furor uma desculpa, uma palavra o desarma; perdoa os erros dos outros da mesma maneira que corrige os seus. A adolescência não é a idade nem da vingança nem do ódio; é a da comiseração, da clemência, da generosidade. Sim, sustento-o e não temo ser desmentido pela experiência, um menino que não é mal nascido e que conservou até vinte anos sua inocência, é nessa idade o mais generoso, o melhor, o mais amante e o mais amável dos homens. Nunca vos disseram coisa semelhante, bem o creio; vossos filósofos, educados na corrupção dos colégios, não cuidam de saber disso." Emílio, p. 246.
As contradições entre a vida e a obra de Rousseau não invalidam sua pedagogia.
E ela nos mostra que por trás do útil para o qual muitas vezes se ensina, há um esquecido e bastante inutilizado traço humano. Sua essência mesmo, talvez, sua própria humanidade ou fundamento dessa sua condição e ser resgatada sendo reeducada.
Um esquecido e inutilizado coração.
Ilustração: fazendo história - wordpress
quarta-feira, 12 de outubro de 2022
A pupila de Guadalupe
"Os indígenas são a pupila de Guadalupe."
Disse hoje o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, citando-os entre os humildes perseguidos e prediletos de um Deus ainda incompreendido pelo homem.
Porque notícias trazem rumores de guerra. De injustiça, de expropriação. Desde a chegada dos colonizadores em terras americanas tem sido desse modo, com a bênção de própria Igreja que se corrige em parte.
Os povos originários, legítimos ocupantes do Novo Mundo, para eles o único e ancestral, atravessam os séculos de hispanização em contínuo recalque da sua história, da sua cultura e da sua presença em sua terra. A grilagem, o garimpo, a invasão, a inculturação e mesmo a continuidade de uma política de extermínio velada na inação dos Estados, tudo isso que povoa manchetes tratadas com indiferença e certa desumanidade, é a herança presente de um passado colonial ainda vivo.Justifica-se, portanto, que o então Dia da Hispanidade seja hoje o Dia da Resistência Indígena.
O 12 de outubro é data para refletir da decolonização, que é diária, e afirmar identidades nativas de todo o continente com o direito de todos à existência digna incluída definitivamente nas nações de toda a América.
Só nesse dia, quando tudo for de todos, a visão de Guadalupe com o índio Juan presente será também a de cada um.
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Leia mais em Brasil de Fato: Na América Latina, 12 de outubro é celebrado como Dia da Resistência Indígena
Ilustração: Tuara Paez
domingo, 25 de setembro de 2022
A infelicidade dos felizes
A felicidade é uma meta ideal de cada ser humano.
Ideal porque ela existe mais como conceito e, portanto, na abstração, do que na prática. A felicidade é o que se quer, se procura, se trabalha por ela insistentemente mas, ao fim, cada pessoa conhece mais a alegria do que propriamente a felicidade.
Buscar a felicidade impondo-se a tarefa de conquistá-la já não seria perdê-la?
Desejar é sofrer, ensina o budismo, e o desejo de ser feliz já é o sofrimento de não ser.
"É mais fácil alcançá-la quando se deixa de exigi-la", diz André Comte-Sponville e nisso vai um tanto da indiferença necessária a quem cultiva a paz da alma resultante da economia de vãos esforços.
Por que há aqui uma pergunta: o que se exige quando se quer a felicidade?
Talvez, nem se saiba muito bem sem um rigoroso exame, o que impõe a cada um refletir exaustivamente antes de sair a procurar o que faz feliz.
É possível encontrar o que se procura sem conhecer?
O estoicismo de Sêneca e seu ideal de tranquilidade espiritual lembra exatamente isso, que "todos aspiramos à felicidade, mas, quanto a conhecer seus caminhos, tateamos como na treva" e errando o percurso, dela mais se afasta quem a procura.
Logo, antes de sair por aí atrás da felicidade, seria preciso um tempo razoável de reflexão filosófica porque a felicidade, se é consequência da conduta, ela é efeito e não causa daquilo que se faz ao longo da vida. É porque vivo uma vida agradável que sou feliz e não o contrário.
Haveria, então, alguma fórmula da felicidade?
Parece que não mais do que a fórmula da longevidade: você pode cuidar de si, mas, de fato, ninguém sabe quando ou do que vai morrer e todo ideal de vida longa é esperança e não certeza. Voltamos ao clássico carpe diem.
Sem querer cultivar pessimismos e tirar de ninguém o prazer de se alegrar e se considerar feliz, o que se pretende aqui é demonstrar brevemente que o ideal de felicidade como resposta condicionada a qualquer desagrado desnaturaliza a tristeza e a dor e acaba assim impondo o fardo pesado de culpas pessoais por não conseguir ser alegre o tempo interior, como canta Wander Wildner.
A revolta contra a felicidade total, do psicólogo David Salinas, o levou a escrever A Ditadura da Felicidade em reação à patrulha contemporânea contra a infelicidade que não deixa de ser uma estratégia do mercado para manter a força produtiva e consumidora em alta."Se você se sente mal, parece que você fracassou como indivíduo", diz Salinas.
É claro que a vida não é nada disso, mas, a insistência para que seja produz pressão, desconforto e agrava a infelicidade dos que se acreditam felizes.
Leia mais em: O que é a ditadura da felicidade e como podemos escapar dela
Imagem: Holos
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O prazer nos move. Você acha que não? Pense melhor... A felicidade, se ela existe, é um tipo de prazer especial que se procura alcançar pr...